domingo, 17 de julho de 2011

Passado agoniza em Belém

Tombamento dos bairros da cidade velha e campina não muda abandono do Patrimônio histórico da capital

Edna Nunes


Belém corre o risco de ter a sua memória perdida se o poder público não abrir os olhos e tomar uma medida urgente pela preservação dos seus patrimônios históricos. Desde maio deste ano os bairros da Cidade Velha e da Campina - áreas onde a cidade começou a ser construídas - foram tombados como centro histórico da capital paraense. Porém, poucas são as ações voltadas para a recuperação dos imóveis.

No bairro da Campina, por exemplo, a rua Gaspar Viana e a Boulevard Castilho França concentram um número grande de casarões antigos, mas as fachadas e tetos deteriorados revelam a ação implacável do tempo, anunciando a fragilidade do imóvel.
Entre esses casarões está o do comerciante João Alves, de 61 anos, localizado na rua Gaspar Viana com a travessa 1º de Março. Dentro, parte do forro está desabando e as paredes carecem de pintura. Externamente, além da fachada ruída, há janelas quebradas e plantas se criando entre uma fresta e outra no seu topo.
'Esse meu prédio não é tombado, se fosse não pagaria o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). Eu pago todos os meus impostos e nunca ninguém veio aqui falar nada', diz ele, lembrando ser proprietário há mais de 20 anos e estar com a documentação definitiva do imóvel.
Outros sinais de abandono ao patrimônio histórico da capital paraense se registram na Boulevard Castilho França, no trecho entre a avenida Presidente Vargas e a travessa Frutuoso Guimarães.
'É um lamento ver como está essa parte de Belém. Há dez anos estive aqui e não era desse jeito e agora está assim, o que os governantes estão fazendo com a cidade de vocês?', questiona a turista maranhense Ana Lúcia Cardoso Farias. Ela comenta que no Maranhão um dos orgulhos do povo é o poder público manter viva a memória da cidade, preservando os prédios históricos. 'Porque um povo que não sente a sua história preservada, esquece de repassá-la', declara.
No bairro da Cidade Velha a situação não é diferente. Ao longo da rua Doutor Assis pelo menos dez imóveis apresentam sinais de abandono, seja pelo poder público, seja pelo proprietário. Alguns até oferecem perigo para o transeunte, por conta do risco de desabamento.
Um deles é o que está localizado na esquina da travessa Alenquer com a Doutor Assis. Segundo Marcos Oliveira, vendedor de uma loja que fica em frente ao imóvel, há poucos meses parte da parede do antigo casarão, em condição de ruína, caiu em cima de um caminhão e só não feriu ninguém, porque os trabalhadores estavam distante do veículo.
Ele afirma que os moradores da área já denunciaram o abandono do prédio à Fundação Cultural de Belém (Fumbel), entretanto, 'os técnicos vêm aqui, fazem uma anotação e não voltam mais', lamenta.
O empresário Manoel Araújo frisa que o correto seria 'acabar com a história de tombamento em Belém, para dar a chance dos moradores providenciarem as obras em seus imóveis e não enfrentar a burocracia exigida para a recuperação de um prédio tombado.'
Manoel não mora em um casarão antigo, mas pelo seu imóvel estar situado em uma área tombada, ele não pode fazer qualquer intervenção sem a autorização do Departamento Municipal de Patrimônio Histórico da Fumbel. 'Eu não entendo o seguinte: se é uma área tombada, por que eu pago IPTU? Até onde sei, quando uma área é tombada como patrimônio histórico, os moradores são isentos desse imposto', diz.
Outro problema que ele observa é a ociosidade do Palacete Pinho que, meses após ter sido recuperado, ainda está sem utilização. Ele sugere à administração pública de Belém que transforme o prédio em um espaço de aprendizagem de música, canto e dança, garantindo às crianças e adolescentes de baixo poder aquisitivo que vivem na periferia da Cidade Velha opções que não sejam as ruas.
Praça das Mercês é retrato do descaso
Para quem pensa que apenas os casarões são desvalorizados, é só fazer uma visita à Praça Visconde do Rio Branco, popularmente conhecida como Praça das Mercês. O logradouro se transformou em banheiro a céu aberto, depósito de lixo e abrigo de moradores de rua.
A presidente da Associação dos Vendedores Ambulantes da Feira das Mercês, Maria dos Anjos Gonçalves, reclama da falta de atenção da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) em relação à praça.
Ela diz que de hora em hora, em plena luz do dia, se vê homens fazendo suas necessidades fisiológicas à luz do dia no espaço, 'como se fosse um banheiro público.'
Em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), a reportagem foi informada pela diretora do Departamento de Projetos de Paisagismo, Daniela Tuma, que há um projeto concluído para ser implementado na Praça Visconde do Rio Branco, respeitando as características históricas do logradouro, por fazer parte do centro histórico.
Ela conta que a praça sofrerá intervenção na sua arborização e iluminação. Além disso, serão recuperados bancos e o monumento do espaço.
Iphan responsabiliza a prefeitura pela manutenção das áreas
A superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Pará, Maria Dorotéa de Lima, informou que o centro histórico, que abrange o bairro da Cidade Velha e da Campina, é tombado tanto pelo governo federal, por meio do Iphan, quanto pelo municipal, pela Fumbel. Entretanto, cabe à PMB a manutenção das áreas tombadas.
Ela explica que os dois bairros foram tombados como Centro Histórico de Belém no dia 3 de maio deste ano pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em Brasília. Entretanto, até hoje a publicação no Diário Oficial da União ainda foi feita. Até ser decidido o tombamento dos dois bairros, Belém contabilizava 23 bens tombados pelo Iphan, correspondente a cerca de 800 imóveis protegidos.
A superintendente explica que a isenção do IPTU está previsto na legislação municipal quando ocorre o tombamento de um imóvel. Porém, anualmente, esta isenção é avaliada e depende do grau de caracterização do imóvel e do seu estado de conservação.
'Porque o sentido dessa isenção é que o cidadão pegue esse dinheiro e invista na conservação do seu imóvel. Por esse motivo, quando o proprietário entra com o processo de isenção, a Secretaria de Finanças do Município, em Belém a Sefim, solicita à Fumbel para fazer a avaliação do prédio histórico', esclarece.
No entendimento de Dorotéa Lima, o poder público municipal está 'jogando dinheiro fora', porque o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) tem sinalizado que quer investir em Belém na área da cultura e só não fez ainda porque não há projetos.
O jornal Amazônia tentou contato com a Fumbel desde o início desta semana, mas não foi possível falar com ninguém do órgão.

Fonte: www.orm.com.br/amazonia 17/07/2011
 

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